Por que somos atraídos por coisas fofas?

O ser humano se adaptou para gostar de coisas fofinhas e, graças a esse mecanismo, é que a nossa sobrevivência foi possível. Mas o que isso tem a ver com o design? Saiba mais nesse artigo.

Se você convive com bebês ou pets certamente eles estão estampados em todas as suas redes sociais, você se derrete diante de qualquer mínimo feito e pode até ter desenvolvido a habilidade de falar com aquela voz típica de quem se depara com fofurices. Até aí zero novidades, mas algo que talvez você não saiba é que os adultos são programados para sentir afeto diante dos bebês. Essa reação instintiva é considerada, pelos especialistas, como uma estratégia de sobrevivência já que, nos primeiros anos de vida, a criança precisa dos cuidados e proteção dos pais.

O etólogo (profissional que estuda o comportamento dos animais) austríaco, Konrad Lorenz, sugeriu que certas características do bebê poderiam despertar uma resposta afetiva positiva nos adultos. As características físicas dos bebês foram descritas por Lorenz em 1943 como “Kindchenschema”, palavra em alemão que significa “esquema de bebê” ou “resposta fofa”.

Se liga nos aspectos do “Kindchenschema”:

  • Corpo relativamente pequeno;
  • Braços e pernas curtos e rechonchudos;
  • Boca e nariz pequenos;
  • Olhos grandes com implantação baixa;
  • Cabeça grande;
  • Testa alta e proeminente;
  • Queixo pequeno;
  • Face arredondada.
Este conjunto específico de características foi descrita como um mecanismo inato que estimula os cuidados e a orientação afetiva dos adultos em relação a bebês. Maior atenção e disposição para cuidar, afeto positivo e comportamento protetor, bem como diminuição da probabilidade de agressão em relação ao bebê, caracterizam a chamada resposta do “Kindchenschema”.
 

Essa resposta acontece não apenas com bebês humanos, mas com quaisquer criaturas que tenham traços faciais como os descritos anteriormente e, sabe de uma coisa? A indústria de pets sabe bem disso.

As espécies de animais de estimação mais comuns (cães e gatos) possuem características infantis tanto na aparência quanto no comportamento que podem ter sido mantidas na idade adulta como parte da estratégia de domesticação, ou seja, os criadouros fazem uma reprodução seletiva para que os pets tenham características mais apelativas aos humanos.

Exemplos de fotografias apresentadas aos participantes do estudo de Borgi e colabolaradores (2014). Rostos jovens e adultos de humanos, cães e gatos. À esquerda, a versão manipulada com alto “Kindchenschema” e à direita, a versão manipulada com baixo “Kindchenschema” do mesmo indivíduo. Reproduzido de Borgi e colabolaradores (2014).

Onde o design entra nessa história?

O design é uma disciplina feita por pessoas e para pessoas, então, para desenvolver um trabalho de sucesso, é preciso entender o que acontece em suas mentes.

Compreendendo o “efeito de bebê” podemos trazê-lo diretamente para o design de personagens, por exemplo. Muitos estúdios utilizam desse esquema para desenvolver os aspectos principais dos seus personagens a fim de despertar o sentimento de afeto em nós. A personagem Boo do filme Monstros SA é um exemplo de que o efeito da fofura funciona.

Talvez seja pelo mesmo motivo que achamos o Baby Groot uma fofura e o Groot adulto nem tanto. Repare nos aspectos essenciais que diferenciam ambos. Enquanto no personagem adulto os olhos são menores, a cabeça mais alongada e distâncias maiores entre olhos e boca, no personagem bebê é o contrário, a cabeça e os olhos são redondos e maiores, assim como a distância entre as partes do rosto.

Também é possível utilizar o “esquema de bebê” para dar vida ao humor. É o que acontece com o filme O Poderoso Chefinho. O personagem principal tem todos os traços fofos que Lorenz cita no “Kindchenschema”, mas a sua voz não condiz com os aspectos visuais. Ele possui a voz grave de um adulto, o que torna o personagem irônico e engraçado.

Em logotipos que possuam representações literais, ou seja, ilustrações, é preciso ter atenção na proporção dos traços para que o aspecto de fofura seja transmitido corretamente. Cabeças em formato arredondado, olhos rebaixados e narizes pequenos dão uma pista imediata ao leitor de que aquele design representa leveza e não rispidez.

Mas nem só de ilustração é feito o design e nem só de um estudo é feito o conhecimento.
É importante entender que o design explora a maneira como os humanos se conectam com o mundo, então é preciso compreender a mente de uma forma ampla e complementar.

O que foi descrito no “Kindchenschema” revela, basicamente, que é possível transmitir mensagens diferentes manipulando as formas no design, pois cada forma constrói uma percepção específica no cérebro humano. Se as formas arredondadas despertam em nós a sensação de afeto, o que podemos esperar das formas geométricas e pontiagudas?

As formas e os nossos sentidos

Em 1929, Wolfgang Köhler, um dos precursores da Teoria da Gestalt, fez o experimento conhecido como “Efeito Bouba/Kiki”. Ele apresentou duas formas distintas, uma pontiaguda e outra orgânica, e pediu aos participantes para que as nomeasse como “kiki” ou “bouba”.

O resultado foi que 95% selecionaram a forma curvilínea como “bouba” e a pontiaguda como “kiki”, sugerindo que o cérebro humano de alguma forma dá significados abstratos às formas e sons de maneira consistente.

Esse experimento de misturar sensações foi feito por vários outros cientista explorando sentidos diferentes. Merle Fairhurst e seus colegas do Centro de Estudo dos Sentidos da Universidade de Londres descobriram que uma refeição de vegetais servido em um prato redondo era percebido como 17% mais doce do que quando a mesma refeição era servida em um prato quadrado.

Na verdade, o efeito adoçante extra da forma arredondada pode ser tão potente que sai pela culatra. Em um exemplo digno de nota de fiasco, os consumidores leais da Cadbury Dairy Milk na Grã-Bretanha ficaram revoltados quando uma nova forma da icônica barra de chocolate foi introduzida em 2013. De acordo com o jornal The Telegraph, os fãs irritados do Dairy Milk acharam que o chocolate agora estava “muito açucarado” e “enjoativo”. No entanto, a Kraft, que comprou a Cadbury em 2010, insistiu que a receita não havia mudado.

Se a Kraft estava sendo sincera, por que tantos comedores de barras de chocolate ficaram desagradavelmente surpresos? A resposta é que a nova forma das peças de chocolate agora era arredondada, enquanto as peças de chocolate originais eram quadradas. Tá passada?

Conectamos automaticamente sabores doces a formas arredondadas por causa das correspondências sensoriais que aprendemos por meio de nossas experiências com o mundo ao nosso redor. As frutas, que são essencialmente doces, são arredondadas. Redondo também é o formato de muitas sobremesas conhecidas, como os bombons, biscoitos e pirulitos. Mas a conexão entre forma e gosto não é inata.

Em uma investigação recente sobre a combinação de forma e gosto com o Himba de Kaokoland na Namíbia, um povo caçador-coletor indígena que não tem linguagem escrita e não tem acesso a mercados modernos e publicidade, verificou-se que combinavam o sabor amargo com formas arredondadas. Isso significa que, para que a doçura seja intensificada por formatos redondos, você deve ter experimentado regularmente a “redondeza” no contexto da doçura, como fazemos em bolos, tortas e brigadeiro.

“Nós gostamos de coisas atrativas por causa do modo como elas nos fazem sentir.”

Arredondado vs. pontiagudo

No design, formas arredondadas são utilizadas para transmitir não só sensações de doçura e fofurice, mas também para comunicar posicionamentos amigáveis, pacíficos, suaves e acolhedores. Essas formas podem estar nas ilustrações de personagens, mas também na escolha tipográfica e construção dos elementos gráficos em geral. Em contraponto, as formas pontiagudas ou com quinas bem demarcadas expressam rispidez, agressividade, potência e reação.

Repare na diferença dos traços dos personagens Mufasa e Scar na imagem a seguir. Enquanto um é arredondado o outro tem quinas bem definidas. Eles são apenas um dos exemplos do padrão que os estúdios de animação assumem ao desenvolver o design de seus personagens.

Isso não significa que seja uma regra utilizar uma ou outra forma para comunicar determinado posicionamento, até porque o design não é feito apenas de formas, mas também de cores, texturas, volumes, perspectivas e uma infinidade de outros conceitos. De qualquer maneira, a intenção por trás de cada escolha precisa ser considerada no desenvolvimento dos projetos.

“O resultado de tudo que você faz tem tanto um componente cognitivo quanto um afetivo – cognitivo para dar significado, afetivo para dar valor.”

Segundo Löbach, uma das funções do design é a função simbólica. É através dela que o indivíduo, a partir de toda a sua vivência sócio-cultural, faz associações e se conecta emocionalmente com o design. Os usuários do mundo contemporâneo entendem cada vez mais a preocupação de estabelecerem uma relação afetiva com o que consomem. Por esse motivo é essencial que designers se aprofundem em disciplinas que tratem sobre o comportamento e emoções humanas, somente compreendendo suas dinâmicas é possível fazer um design positivo e responsável.

Não é preciso ser designer para se derreter diante de um bebê, mas é preciso manjar muito para reproduzir essa sensação através de um layout.

Você já tinha estudado sobre a psicologia das formas?
Deixe aí nos comentários as suas descobertas e o que achou do conteúdo 🙂

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Itamara Ferreira
Designer, criadora do Leiautar e especialista em diálogos delirantes. Adora ouvir pessoas apaixonadas pelo que fazem e acredita que o design está em tudo e é para todos.

15 comentários

  1. Tô simplesmente apaixonada por esse artigo. Parabéns Ita por tanto conteúdo que nos fazem pensar fora da caixa.

  2. Que artigo fantástico!!!!! AMEI!!!!

  3. A mulher não só fala, ela explica, dá exemplo, conta a história, cita fontes, ensina e faz a gente pensar! Como eu amo essa mulher! Haha
    Obrigada Ita! Artigo Maravilhoso!

  4. Filipe Branco Rios
    Filipe Branco Rios

    Que qualidade de artigo!!
    Parabéns!!

  5. Que tudo esse conteúdo!! Chic, inteligente e acessível! Amo!

  6. Parabéns, que material perfeito.

  7. Parabéns Ita, não sou de participar de enquetes e nem qualificar conteúdos, mas você trás muita coisa boa como esse artigo e merece ler cada comentário desses te enaltecendo.
    Suas análises são aulas sensacionais!!!

  8. Eu to simplesmente encantada demais com esse artigo! Riquíssimo e informações e tão leve de ler. Você é sensacional, Ita <3

  9. Artigo Sensacional! Parabéns Itaaa!

  10. Que show de conteúdo!
    Estava ansiosa pra ler, mas me contive até encontrar um tempo de calma e atenção plena pra fazer isso. E valeu muito à pena 😀 Adorei a didática leve e descontraída e amei esse tantão de exemplos tbm <3
    Parabéns pelo ótimo conteúdo!

  11. Minha nossa! Que artigo incrível, parabéns e obrigada por compartilhar conosco.

  12. Ita, você é demais e eu amo muito suas analises. Obrigada por sempre trazer um conteúdo tão rico de conhecimento. Tenho goooixto de abrir sua newsletter. <3
    Esse assunto me fez lembrar de quando eu era pequena e tinha vontade de comer a logo da Globo porque eu tinha a sensação que parecia um chocolate. Parece loucura, mas é verdade, eu tinha vontade de comer real. Mas isso só Freud explica, néam… Ou a psicologia das formas. kkkk
    Bjão!

  13. Tirei o atraso e li todos os posts que tinha perdido. Cada um melhor que o outro. Esse especificamente me deu muitos bons insights.
    Parabéns Ita. E continue postando, pq tá sendo muito bom ler seus conteúdos.

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